segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Habeas Corpus - "Lei Seca"


EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Urgente
__________________, brasileiro, solteiro, acadêmico de direito, portador de RG nº _____________, inscrito no CPF nº _______________, domiciliado a _____________________________________, vem, perante Vossa Excelência, impetrar ORDEM DE HABEAS CORPUS PREVENTIVO COM PEDIDO LIMINAR, em próprio favor, figurando como impetrante e paciente, em função de grave ameaça a seu direito constitucional de ir e vir, em face das autoridades coatoras Ilmo. Senhor Secretário da Segurança Pública do Estado de São Paulo, o Ilmo. Senhor Comandante da Polícia Militar de São Paulo e o Ilmo. Senhor Delegado Geral da Polícia Civil de São Paulo, todos com endereço na Rua Libero Badaró, nº 39, CEP 01009-000, São Paulo, SP, pelos fatos e fundamentos de direito expostos a seguir:

DA AMEAÇA A LIBERDADE E A LEI 11.705/08

Foi promulgada em 19 de junho de 2008 a lei número 11.705 que alterou o Código de Trânsito Brasileiro e criou obrigação inconstitucional que institui a proibição de qualquer cidadão de permanecer em silêncio e se recusar a produzir prova contra si mesmo.
Esta ilegalidade está constante na alteração do artigo 277 do código de trânsito brasileiro pelo artigo 5º, inciso IV da Lei 11.705/08, que se reproduz a seguir:
IV - o art. 277 passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 277. .....................................................................
.............................................................................................
§ 2o A infração prevista no art. 165 deste Código poderá ser caracterizada pelo agente de trânsito mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor.
§ 3o Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo.”

A lei enuncia a proibição de dirigir sob efeitos de bebidas alcoólicas, já que podem prejudicar o julgamento e reflexos do motorista. Contudo, o mesmo texto legal cria padrões em que fixa uma quantidade máxima de álcool que pode ser encontrada no sangue, desconsiderando o biótipo e características individuais de cada indivíduo.

A obrigatoriedade de produzir prova contra si mesmo, se pronunciar e até mesmo confessar crime é instituída por esta lei. Isto afronta a Constituição e a conquista histórica de direitos fundamentais.

O direito de ir e vir é ameaçado, já que o exercício dos direitos e garantias fundamentais pode resultar em penas administrativas e restritiva de liberdade, em caso de recusa a se submeter aos testes enunciados no artigo 277 do Código de Trânsito Brasileiro. Por exemplo, como noticiado pela mídia, há inúmeros casos em que pessoas são detidas e levadas a delegacia, muitas vezes sendo indiciadas e processadas criminalmente, além de perder o direito de dirigir.

Dos direitos fundamentais violados pela lei
São os artigos da Constituição Federal violados:

“Art. 5º...
II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;
LXIII – o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;”

O princípio da legalidade, inciso II do artigo 5º, é sumariamente desrespeitado na medida em que a Constituição é a Lei Maior do país e do ordenamento jurídico. A harmonização das leis com a Constituição é necessária e requisito da estrutura hierárquica de nosso ordenamento.

O tratamento desumano ou degradante dispensado pela lei a qualquer cidadão consiste na obrigatoriedade de se submeter a testes, contrariando o direito ao silêncio, ou de ser penalizado mesmo sem provas que autorizem e que instruam o devido processo legal, também previsto constitucionalmente.
O direito ao silêncio é a garantia fundamental desrespeitada pela previsão legal da obrigatoriedade do teste ou das sanções, presumindo-se culpado o paciente sem lhe dar chance de defesa. Não há que se falar em possibilidade de escusa do motorista em produzir prova contra si mesmo ou de permanecer em silêncio, já que caso qualquer pessoa proceda assim ela será penalizada administrativamente da mesma forma como se embriagada ou alcoolizada estivesse.
Do pacto San Jose da Costa Rica
O artigo 8º da Convenção ratificada pelo Brasil, e que goza de status direito fundamental a partir da EC 45, também prevê o direito fundamental de permanecer em silêncio, não confessar-se culpado, não produzir prova contra si mesmo e de não emprestar o corpo ao Estado para que este produza prova. A redação é a seguinte:

“Artigo 8º – Garantias judiciais:
...
g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada;”

Da presunção de inocência

É necessário que se puna com rigor aquele que dirige sob a influência do álcool. No entanto, é imprescindível que seja facultado à parte a possibilidade de produzir as provas que entenda necessária e que o Ministério Público tenha o ônus de comprovar a culpabilidade e ilicitude dos fatos alegados em eventual acusação. Isto não pode ser resolvido através de uma constrição inconstitucional do motorista, obrigando-o a produzir prova contra si mesmo, sob pena de ter seu direito de ir e vir tolhido ou restringido de qualquer forma.

O princípio constitucional da presunção de inocência é desrespeitado pela lei, já que são previstas medidas administrativas e penalidades sem nenhum tipo de prova mediante o exercício de direito assegurado constitucionalmente. Ressalte-se que a presunção de inocência é claramente desconsiderada na medida em que a mesma pena é aplicada aquele que está ou não com determinada concentração de álcool no sangue. O ônus da prova se inverte e o cidadão passa a ter o dever de comprovar a própria inocência perante o Estado.

Do poder de polícia e as garantias fundamentais

O Estado possui o poder de polícia inerente ao monopólio legítimo da força. Assim, pode constranger o cidadão a determinados atos e restringir-lhe determinados direitos.

O Estado de Direito e a democracia não podem conviver com determinados abusos, não devem determinadas garantias serem olvidadas, sob pena de se deformar ou transformar a finalidade ou forma do regime de governo.

O ordenamento jurídico brasileiro consagrou em sua Constituição Federal o que considerou elementos essenciais e nucleares de nosso Direito: as chamadas cláusulas pétreas. Entre essas cláusulas pétreas figuram os direitos e garantias fundamentais dos indivíduos, determinados pelo artigo 60, §4º, inciso IV.

A necessidade de fiscalização para garantir a aplicação da lei é imprescindível e data de obras como a do teórico César Beccaria.

A ponderação necessária que a lei coloca é aquela entre direitos e garantias fundamentais e o suposto bem atingido pela fiscalização da lei. No entanto, não podemos nos esquecer que este mesmo tipo de argumento é a justificativa utilizada pelos defensores da tortura ou de outros meios tão “eficazes” quanto a obrigatoriedade de se submeter a testes considerados vexatórios ou degradantes.

A Constituição Federal é clara ao assegurar que o direito fundamental ao silêncio é cláusula pétrea, não podendo ser nem desconsiderada por emenda constitucional, tampouco por lei ordinária como a que promoveu as alterações alegadas.

Meios de tortura e punição mostram-se verdadeiramente mais “eficazes” no combate a criminalidade. No entanto, esta não é a opção feita por nosso constituinte originário e não pode ser ignorada pela justiça.

Do atentado a dignidade da pessoa humana

O Estado possui o dever de provar qualquer irregularidade ou ilegalidade na conduta de qualquer pessoa acusada de cometer um crime ou infração. Para tanto tem o poder de polícia que o permite investigar e constranger as pessoas no limite do respeito à dignidade da pessoa humana e de acordo com o princípio de que qualquer pessoa pode escolher permanecer em silêncio, segundo o artigo LXIII da CF.

Este habeas corpus almeja salvo conduto para impedir que o impetrante-paciente seja obrigado a se submeter a “teste do bafômetro” ou exame de sangue e que, caso haja esta recusa, isto não justifique inquérito policial ou qualquer penalidade, seja criminal ou administrativa, já que estes testes podem representar uma afronta a dignidade da pessoa humana.

Pode haver um constrangimento a imagem e a pessoa do paciente em ser submetido mesmo que a penalidades somente administrativas, já que exerce somente seu direito ao silêncio e se vale da presunção de inocência que deveria ser respeitada em seu favor.

Do pedido liminar

Estão presentes os requisitos fumus boni iuris e periculum in mora. O impetrante-paciente pode ser parado a qualquer momento e constrangido, sob pena de multa, a assoprar bafômetros e se submeter a outros testes que considera degradantes e, se não o fizer, em exercício regular de direito constitucional, será punido, indiciado e possivelmente preso.

Pelo exposto, a medida liminar se justifica tendo em vista os direitos do paciente constitucionalmente assegurados e da possibilidade de ser constrangido e até submetido a tratamento ilegal, sob pena de multa de R$ 955,00, privação da carteira de motorista e até mesmo indiciamento criminal.

Do pedido

Requer-se seja concedida a liminar, reconhecendo-se o direito do paciente de se recusar a submeter-se ao “teste do bafômetro” e todos outros que contrariem seu direito fundamental ao silêncio.

Requer sejam intimadas as autoridades coatoras a apresentarem todas as informações que entenderem necessárias.

Requer seja julgado totalmente procedente o pedido, confirmando-se a liminar e concedendo-se o respectivo salvo conduto definitivo, para que o impetrante-paciente possa ir e vir livremente, sem ser obrigado a assoprar bafômetros e se submeter a outros testes que considere atentatórios contra a dignidade da pessoa humana, e sofrer constrangimento e ser punido como se alcoolizado estivesse.

Protesta provar o alegado por todos os meios admitidos em direito.

Termos em que pede deferimento.

São Paulo, 18 de agosto de 2008

____________________
Acadêmico de Direito

Cartaz - Um passo além do debate...

Uma passo além do debate...

Diversos foram os debates, como o realizado na Semana do XI, e notícias de jornais que trataram da Lei nº 11.705/08, que ficou conhecida por “Lei Seca”. Ao instituir alcoolemia zero aos condutores, a lei aplica aos infratores penalidades que vão de multas administrativas à prisão. Em busca de uma atuação que vá além das discussões travadas, o Grupo Paradigma apresenta meios jurídicos, mas de relevância política, para enfrentar a questão.

Ao determinar a aplicação, àqueles que se recusarem a fazer o exame do "bafômetro", das mesmas sanções aplicáveis aos infratores surpreendidos dirigindo alcoolizados, a “Lei Seca” possibilitou a conseqüência inconstitucional da produção de prova contra si mesmo. Ou seja, o cidadão pode ser obrigado a produzir prova de sua inocência, presumindo-se, caso não prove o contrário, a sua culpa. Evidentemente, o fato deste dispositivo possivelmente atentar ao art. 5º, LVII, da CF/88, fez com que o Grupo Paradigma apresentasse contra este particular aspecto da lei um modelo de habeas corpus preventivo como forma de levar ao Judiciário, à Sociedade e à Faculdade essa discussão.

Assim , disponibilizamos uma peça proposta em nosso blog. Confira a íntegra do documento em http://ogrupoparadigma.blogspot.com

GRUPO PARADIGMA

 

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